Os 90 anos de Ariano são celebrados com livro inédito, peça e relançamento da obra

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Poeta deixou filho e amigos encarregados de reunir legado literário sob selo da editora Nova Fronteira



Dantas Suassuna precisou de tempo antes de revisitar a obra do pai, Ariano Suassuna, falecido em julho de 2014. Embora mergulhar novamente no universo literário criado pelo escritor e dramaturgo paraibano envolvesse certa carga emocional para o artista, foi um trabalho necessário: antes de partir, Ariano deixou ele, o pesquisador Carlos Newton Jr. e o designer Ricardo Gouveia de Melo incumbidos de comandar o processo de republicação dos seus livros para que fossem reunidos apenas sob o selo da editora Nova Fronteira. A primeira parte do compromisso será cumprida como forma de homenagem, com o relançamento do Romance da pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (800 páginas, R$ 89,90), na semana em que o dramaturgo completaria 90 anos de nascimento. A obra foi publicada originalmente em 1971 e editada outras 14 vezes.

A nova versão é apontada como definitiva, com atualizações do texto deixadas pelo próprio Ariano e inclusão de ilustrações feitas por ele. "Houve um tempo de maturação, de aquietação de que precisamos. Essa conversa com papai para que a gente unificasse os seus livros já havia ocorrido. Tínhamos essa preparação, então deixamos o tempo passar para começar", explica Dantas, encarregado da direção de arte ao lado de Ricardo. À frente da coordenação editorial, Carlos Newton Jr. viu a empreitada como uma retribuição: "Ariano me ajudou muito, sobretudo na minha vida acadêmica. Éramos muito ligados. Está sendo uma grande satisfação e estamos buscando realizar um trabalho que honre o nome da obra". 


Com o texto já digitalizado anteriormente, o trio se debruçou sobre o romance para incluir as ilustrações do poeta, elaboradas ao longo de muitos anos. O trabalho visual do escritor, materializado em esboços e desenhos, também vão ser exibidos em exposição alinhada ao aguardado lançamento do livro A ilumiara: Romance de Dom Pantero no palco dos pecadores, programado para 9 de outubro. A obra é dividida em duas partes - O jumento sedutor e Palhaço tetrafônico - e representa a culminância de mais de 30 anos de trabalho. "É a obra final dele, um romance inédito de um artista já maduro. Tem uma importância enorme", avalia Dantas Suassuna. Em vida, Ariano revelou que seria importante destacar A pedra do reino antes do lançamento do material novo, tendo em vista que os enredos se complementam de certa forma. "É como se fosse uma introdução", explica o artista.

HOMENAGENS

Nascido na Paraíba em 1927, Ariano Suassuna terá 90 anos de nascimento celebrados com eventos em Pernambuco, estado onde passou grande parte da vida adulta e desenvolveu a carreira profissional. Nesta quarta-feira (14), às 18h30, o Arquivo Público de Pernambuco (Rua do Imperador, 371, Santo Antônio) exibe diversos documentos que fizeram parte da história de Ariano, incluindo sua ficha de matrícula no Ginásio Pernambuco e o prontuário no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Na ocasião, será relançado o livro O reino encantado, de 1878, de Alencar Araripe Júnior, em uma reedição organizada pela especialista e pesquisadora Débora Cavalcantes de Moura. Participam do evento membros da Associação Cultural Pedra do Reino, de São José do Belmonte. Na sexta-feira (16), dia do aniversário de nascimento de Ariano, uma série de eventos no Compaz batizado em homenagem ao artista, no Cordeiro, lembrará a sua influência na literatura do país. 


O legado de Ariano também será levado adiante além das fronteiras pernambucanas. Amanhã, no Rio de Janeiro, entra em cartaz no Teatro Riachuelo o espetáculo Suassuna: O auto do reino do Sol, da companhia Barca dos Corações Partidos. A peça tem texto de Braulio Tavares, encenação de Luís Carlos Vasconcellos e músicas inéditas compostas por Chico César. No enredo, uma trupe de circo viaja a Taperoá, na Paraíba, para uma reverência ao "poeta Suassuna", que nunca tem o primeiro nome citado. "É uma forma mais poética, já que ele iniciou na poesia e a partir daí desenvolveu outras obras. Houve a decisão de chamá-lo de poeta em vez de dramaturgo ou escritor", detalha o ator Eduardo Rios, que vive Escaramuça no musical. 




O espetáculo é permeado por elementos do universo criado por Ariano, desde referências sutis até alusões mais enfáticas, como a presença de citações às obras Auto da compadecida e Uma mulher vestida de Sol. A peça fica em cartaz na cidade até agosto, quando segue para São Paulo. O Recife, apesar de ainda não ter entrado no roteiro do espetáculo, é prioridade na lista de lugares nos quais deve aportar. 

Com direção da pernambucana Mônica Monteiro, o programa Poesia e prosa, do canal Art1, dedicará um episódio inteiro ao autor, no qual a cantora e apresentadora Maria Bethânia vai declamar poemas ainda não selecionados. As filmagens estão programadas para ocorrer no mês de agosto e o capítulo vai ao ar até o fim do ano.


Nas telonas, uma produção sob a direção de José Eduardo Belmonte (Carcereiros, Entre idas e vindas) se baseará nas populares aulas-espetáculo ministradas por Ariano até as últimas semanas de vida para criar uma narrativa em formato de contos. Com título provisório Riso de Ariano, o longa-metragem é da produtora Group Cine e tem roteiro assinado pelos pernambucanos Tatiana Maciel e João Falcão. O objetivo da GroupCine é de que o longa se transforme em série para a TV, cuja exibição deve ocorrer na Globo ou em algum dos canais da Globosat. O elenco ainda não está definido mas irá abarcar tanto nomes conhecidos quanto iniciantes.
 
SERVIÇO

Homenagem aos 90 anos de Ariano 
Onde: Compaz Escritor Ariano Suassuna (Avenida General San Martin, S/N, Cordeiro) 
Quanto: gratuito 
Quando: sexta-feira (16)
 
Programação

9h: Apresentação do documentário Ariano: impressões, de Cláudio Brito e bate-papo com Carlos Newton (professor de Artes Visuais da UFPE e especialista em Ariano Suassuna), Luiz Reis (professor de teatro da UFPE) e Cláudio Brito (documentarista) para alunos de escolas públicas do Recife
11h: Lançamento da nova edição do livro A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, de Ariano Suassuna

Trecho de Romance da pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta

Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O Sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol esbraseado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra - esta Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda, e que, há milênios, acicata a nossa Raça, puxando-a para o alto, para o Reino e para o Sol. Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso, Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela distância, a Serra do Pico, com a enorme e alta pedra que lhe dá nome. 

FONTE: DIÁRIO DE PERNAMBUCO

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